Legislativas 2024


 De certa forma, a noite eleitoral de ontem foi o reverso da noite eleitoral de 2022. Em 2022, uma noite que prometia ser renhida rapidamente se transformou numa vitória do PS e mais tarde numa maioria absoluta para este partido. Ontem, uma noite que prometia uma vitória clara para a AD, mesmo que longe de maiorias absolutas, tornou-se rapidamente numa luta taco a taco entre PSD e PS. Ontem, apenas os resultados da PSD e CDS na Madeira, garantiram uma curta vitória à coligação de centro direita. 

A eleição de ontem é também marcada por dois factos essenciais. Em primeiro lugar um crescimento da participação eleitoral. Nunca na democracia portuguesa a participação tinha subido desta forma nem nuca tantos votos (em número absoluto) tinham sido contados numa eleição legislativa desde 1974. Mesmo que longe das taxas de participação que se seguiram à democratização, esta eleição inverteu uma tendência bastante longa de diminuição de participação. Em segundo lugar, continuando o percurso dos últimos anos, vimos a afirmação do Chega como terceira força política, ultrapassando o milhão de votos.

 Havendo ainda muito que pensar sobre estas eleições, sobre o seu impacto e sobre que governo surgirá delas, penso ser oportuno olhar para os resultados de ontem com um olhar mais fino e tentar perceber algumas tendências que se verificaram.


Começando pela participação eleitoral, o mapa seguinte mostra a diferença de participação por município entre as eleições legislativas de 2022 e as de ontem. As diferenças regionais não são particularmente fortes, com duas exceções. Por um lado, a norte do Douro este efeito de aumento de participação foi mais ténue, nomeadamente em zonas mais interiores. Por outro, o Algarve destaca-se como uma região onde cresceu a participação em praticamente todos os Municípios e de forma significativa.


 Olhando agora para a diferença da AD (que simplifico para PSD apenas por conveniência) notamos que embora vencedora esta coligação não representou ganhos significativos quando comparado com os resultados do PSD nas eleições anteriores. Se de facto parece que esta coligação de centro direita ganhou alguma percentagem de voto na costa norte da Área Metropolitana de Lisboa (de Lisboa a Cascais) e nalguns municípios do interior centro, este ganhos não se estendem a todo o território. Mais, na Área Metropolitana do Porto e no Algarve a AD teve ganhos ligeiros ou desceu em relação a 2022.




Olhando agora para o maior derrotado da noite eleitoral, parece que o PS perdeu cerca de 500 mil eleitores um pouco por todo o país. Note que para ser mais fácil compreender o mapa inverti a escala para que a cor mais escura reflita uma descida mais acentuada. A única tendência que nos parece mais fácil de ver é que as perdas no interior norte e interior alentejano foram menores para o PS. No resto do território a derrota do PS parece ser mais homogénea.




Contrastando com esta descida bastante homogénea do PS, a força que mais cresceu na última eleição, o Chega, cresce um pouco por todo o território. Se de facto consegue um crescimento importante no Algarve e na margem sul da Área Metropolitana de Lisboa e Santarém, este crescimento é replicado (mesmo que em menor escala) um pouco por todo o território. É interessante notar que apenas em algumas zonas, onde o PS consegue mitigar as derrotas, o Chega parece ter mais dificuldade em crescer, como interior norte e interior alentejano.




Tentando agora perceber um pouco melhor a queda do PS e o crescimento do Chega, é importante ter em conta como estes dois fenómenos estão relacionados com as diferenças na participação eleitoral. Como os dos gráficos seguintes mostram, existe uma correlação clara e negativa entre diferença da performance eleitoral do PS e diferença de participação. O PS claramente perde menos onde o crescimento da participação eleitoral foi menor. O efeito verifica-se olhando tanto para os municípios (gráfico da direita) como para as freguesias (gráfico da esquerda).

 



Em sentido contrário o Chega parece ter beneficiado significativamente do crescimento da participação. Quer olhando para municípios (gráfico da direita) como para as freguesias (gráfico da esquerda), o Chega cresce mais onde mais gente vota em relação a 2022. A combinação deste par de gráficos com o par anterior também nos indica que devemos ter algum cuidado com tentativas rápidas de imputação de transferência de voto. Muito provavelmente, a história das eleições de 2024 é melhor compreendida pela desmobilização de eleitorado do centro-esquerda e de mobilização do eleitorado que apoia a direita radical. Mas apenas com inquéritos a nível individual poderemos perceber melhor essa ligação.



Finalmente, será que poderemos encontrar no fenómeno da imigração o combustível que consegue explicar esta explosão do Chega, aparentemente alimentada pela mobilização de novos eleitores? Os dados parecem contar uma história mais complexa. Começando pela imigração em geral, será que o Chega conseguiu crescer mais nos municípios com mais população imigrante? 

Olhando para a imigração em geral, não parece ser evidente esta relação. Se virmos os três gráficos seguintes (que contém informação sobre municípios) não parece que nem em 2022, nem em 2024 exista uma correlação forte entre performance eleitoral do Chega e imigração. Mais, não parece que o Chega cresça mais onde há mais imigração.



Existe a possibilidade de não ser a imigração no geral, mas uma migração mais recente e não proveniente dos PALOPs/Brasil mas antes da Ásia, a ser o combustível do Chega. Esta teoria parece fazer mais sentido se olharmos para os três próximos gráficos. De facto o Chega parece ter melhor performance eleitoral em 2022 em Municípios que contam com maiores níveis de imigração asiática. No entanto, este efeito é mais ténue (ainda que forte) em 2024 e sobretudo não parece explicar o crescimento do Chega nesta eleição. De facto, muitos dos municípios onde o Chega mais cresceu contam com uma população imigrante bastante residual.


De notar, que estes gráficos não nos conseguem mostrar todos os efeitos que a linguagem xenófoba do Chega pode ter no eleitorado. Apenas indicam que não parece que o Chega cresça nesta eleição onde existe mais imigração, existindo a ressalva dos dados serem referentes aos Censos de 2021 que podem já não representar bem a população imigrante em Portugal. De igual forma, a linguagem xenófoba do Chega é capaz de ser bem recebida mesmo em áreas onde o impacto da imigração, incluindo proveniente da Ásia, é residual. Vários eleitores que não contactam diariamente com esta imigração podem mesmo assim alinhar em discursos intolerantes em relação a esta.

No entanto, penso também que os dados demonstram que não devemos apenas olhar para a imigração como fonte da direita radical em Portugal. Muito provavelmente um discurso anti-corrupção muito forte, mesmo que bastante vago e/ou irrealista, pode ter tido um efeito mobilizador essencial neste crescimento do Chega. Nomeadamente, quando dois governos (um nacional e um regional) caíram (ou quase) na sequência de escândalos de corrupção. Infelizmente, para esta interessante teoria, como tantas outras, os dados agregados não nos ajudam a testá-la


António Luís Dias


Professor Assistente de Ciência Política e Relações Internacionais no Forward College, doutorando FCSH-NOVA e interessado em mostrar gráficos e mapas sobre eleições a todos

Nota: Infelizmente não consegui os dados de Águeda. Vou tentar atualizar os dados assim que puder.

Popular posts from this blog

Sobre o Sucesso do ADN